06/04/2010

Entenda por que gostamos de sentir medo

Filmes de terror como Atividade Paranormal aproveitam-se de uma característica pouco conhecida que nós, seres humanos, possuímos: gostamos de sentir medo. Nossa intrépida repórter conversou com especialistas e revelou por que é tão bom levar sustos.



Uma casa mal-assombrada, um casal perseguido por fenômenos sobrenaturais e uma câmera para registrar tudo. Junte a isso uma produção mambembe, alguns sustos nos momentos certos e está feito o sucesso Atividade Paranormal. O filme arrecadou US$ 110 milhões nos Estados Unidos e estreou no Brasil entre os três títulos mais vistos da temporada de final de ano (por enquanto perde para as superproduções 2012 e Lua Nova). Em 15 dias, 606 mil brasileiros foram ao cinema movidos pela curiosidade de saber o que acontece enquanto os americanos Katie e Micah, o casal protagonista do filme, dormem. E isso porque foi feito em apenas uma semana e com um orçamento que não dá para comprar nem um carro popular: US$ 15 mil (Bruxa de Blair, por exemplo, custou US$ 100 mil).


Eu estava entre esses 606 mil destemidos brasileiros. Quase duas horas depois do início do filme, com as mãos suando e o coração aos saltos, eu previa uma noite insone pela frente. Mas, coisa incrível, a experiência não era ruim. E por que não? Será que eu e as pessoas naquela sala escura gostamos de sentir medo? O que está por trás do impulso aparentemente ilógico de dar dinheiro em troca de sustos? Para descobrir a resposta, fui atrás de psicólogos, psiquiatras, antropólogos e historiadores especialistas em medo. Investigando as respostas, surgiram algumas pistas para a solução do enigma. Ao que tudo indica, uma das razões é bem simples: as pessoas gostam do medo porque isso é bom. O terror controlado na tela ajuda a entender o mundo e a experimentar sensações que não existem em outro lugar. E a biologia é o primeiro passo para compreender o que se passa com o corpo de alguém exposto a monstros, sangue e atividades paranormais de mentirinha.


Obsessão Macabra
As aulas de ciências ensinam que medo, ansiedade e estresse ajudaram o homem a evitar o perigo e a progredir. Evolutivamente importantes, eles aumentam a eficiência do organismo, deixando-o pronto para a briga. Assim que o cérebro percebe uma ameaça, um sistema chamado circuito do medo entra em ação. Formado por núcleos cerebrais como a amígdala e o hipocampo, ele libera neuro-hormônios e neurotransmissores para defender o organismo. Dopamina, endorfina e adrenalina vão para o sangue, preparando o corpo para a reação. Só que, quando o monstro é de papelão, o cérebro percebe a pegadinha e suspende a produção das substâncias. E a alta da dopamina, que deixa o corpo atento e alerta durante esses momentos, dá sensação de prazer e calma. Como se o corpo ficasse chapado em segundos. “Liberações rápidas de dopamina provocam reações agradáveis e muito prazerosas”, diz Antônio Nardi, coordenador do Laboratório de Pânico e Respiração da UFRJ. “Só quando ela perdura no organismo vêm as reações ruins, como confusão mental e fadiga.”


Assim, dá para entender, por exemplo, por que os filmes de terror não dão sustos o tempo todo. É preciso um intervalo para causar as variações da dopamina e provocar o prazer. Mas só isso não explica o mistério do gosto provocado por quase duas horas de pavor frente à tela do cinema. Uma das hipóteses seria a de que os seres humanos são capazes de sentir emoções misturadas, de tensão e prazer, ao mesmo tempo. Assim, o medo prolongado faria sentido.


Pensando nessa possibilidade, Eduardo Andrade, professor da Universidade da Califórnia, e Joel Cohen, da Universidade da Flórida, resolveram testar seus alunos para ver o que acontece durante a projeção de cenas de terror. “Queríamos descobrir a razão de as pessoas se exporem a coisas que, aparentemente, não dão prazer, como esportes radicais ou cenas violentas”, diz Eduardo. Em uma sala com computadores, eles pediram aos estudantes que marcassem em uma escala o grau das sensações negativas ou positivas que experimentavam durante a projeção de filmes (documentário, terror e comédia). Ao final, a descoberta dos pesquisadores foi que os momentos mais horripilantes eram também os que mais davam prazer. “Pesquisas das duas últimas décadas mostram que somos capazes de ter os chamados ‘mixed feelings’, ou seja, ter emoções positivas e negativas ao mesmo tempo”, afirma Eduardo. “Sem isso fica difícil aceitar que alguém passe por um momento doloroso, como as cenas de terror, buscando prazer ou alívio”, diz. Quer dizer que sentimentos opostos, como amor e ódio, pavor e calma podem aparecer juntos enquanto alguém vê seres deformados perseguindo garotinhas meigas em corredores sem fim.

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